The Last of Us | Primeiras Impressões

Confira nosso review, sem spoilers, dos dois primeiros episódios da série.
By CAJR
15/01/2023

NOTA: Este texto de opinião é referente aos dois primeiros episódios da série de The Last of Us, da HBO, que ficarão disponíveis no HBO Max nos dias 15 e 22 de janeiro, respectivamente.

The Last of Us é, para muitos, o expoente máximo da sétima geração de consoles. O jogo que recebemos em 2013, como o último grande lançamento do Playstation 3, permanece como uma das melhores criações culturais da última década, dando-nos uma história que elevou o patamar da indústria dos videogames, ajudando ainda mais na sua percepção como um meio cultural que pudesse furar a bolha gamer.

A série adaptada de The Last of Us propõe algo ousado: é como pegar um quadro (quase) perfeito e pôr uma câmera para filmar à frente dele. O que é que essa câmera pode acrescentar? Será que o vídeo será apenas uma réplica exata do quadro que já vimos? Se for esse o caso, para quê esta adaptação? O que é que ela acrescentou ao quadro original? Se, por outro lado, tentar dar outro panorama, outra perspetiva deste quadro, corre o risco de o representar erroneamente, deturpando a visão da obra original. São dois riscos, e Craig Maizin optou pelo segundo.

A primeira cena do primeiro episódio nos dá logo uma ideia clara desta escolha narrativa. Temos momentos de história completamente novos, que podem ser divididos em duas sessões: expandem o lore do mundo, da infeção do fungo cordyceps; ampliam o elemento humano da história. É difícil equilibrar estes momentos, porque o aprofundamento do lore pode levar a um distanciamento dos personagens, do toque humano, ao olharmos para as coisas numa escala maior. The Last of Us tenta, ao mesmo tempo, ser lupa e telescópio para este mundo.

Parece funcionar, com Sarah (Nico Parker) recebendo uma nova dimensão no seu retrato e o mundo à volta de Joel (Pedro Pascal) a ganhar traços mais definidos. Tomemos a primeira sessão do jogo na Zona de Quarentena. A série da HBO nos faz sentir que Joel viveu ali durante os últimos anos, que conheceu as pessoas, forjou alianças, trabalhou, e que foram feitas coisas imperdoáveis por toda a gente, desde o nosso protagonista aos NPCs que faziam as animações pré-determinadas na sequência de gameplay.

Admito que gostei da história extra, que expande a disseminação do fungo. A ideia de queda da civilização é interessante, e nunca foi particularmente explorada no primeiro jogo. Ao que tudo indica, a HBO também se vai focar nesse aspeto, que poderá não agradar a todos, precisamente por ser algo antagônico da vertente mais intimista e humana que a série procura noutros momentos. Escolhas, de uma adaptação, escolhas.

Adaptação fiel, para bem ou para o mal

Esta pode ser o grande trunfo ou o maior erro de The Last of Us. A recriação de momentos do jogo está lá, sim, e por vezes cada fala do diálogo é retirada diretamente da obra original, mas de que serviria ter uma reprodução de tudo o que acontece no jogo, cena por cena? De que modo é que isso acrescentaria à experiência original? A novidade de dizer "olha, isto é como no jogo" extingue-se por volta da 50ª referência ou recriação em que reparamos, e a partir daí a série terá de se aguentar por direito próprio. Se continuar a apostar na amplificação dos temas humanos, certamente estará mais próxima de cativar as audiências fora do mundo gamer.

A dinâmica entre Joel e Ellie não ocupa o lugar central dos primeiros episódios, uma vez que estes não se conhecem logo no início da história. Ainda assim, o potencial está lá, pela própria dinâmica das personagens. Não deixa de ser curioso que tenhamos visto Pascal numa representação muito semelhante em "O Mandaloriano" – o lobo solitário que relutantemente toma um jovem debaixo da sua asa -, pelo que o ator terá um trabalho redobrado para tentar distanciar o papel de Mando e Joel, e evitar comparações depreciativas.

Técnica apurada

Uma das principais características que chamam a atenção no game é sua técnica cinematográfica, que contribui (e muito!) para a narrativa da história. Planos abertos, diversas técnicas de ângulos de câmera e direção de arte que conta parte da história sem que nada seja dito. Esse cuidado que o jogo teve ajudou na adaptação, que, acima como citado acima, fez transposições quase 100% iguais aos games, mas também emprestou dessa técnica e aplicou na adaptação.

Os planos abertos são impressionantes, principalmente por se tratar de uma série, que conta com orçamento menor que um filme blockbuster. As cidades, sejam antes, como depois da disseminação do vírus, não soam nada artificiais, como nas cidades cenográficas que costumamos ver em séries. É tudo muito tátil e realista. As tomadas abertas dão dimensão desse mundo, que será explorado - quem sabe - no decorrer de anos.

Outro destaque é que adaptação conta com a trilha sonora de Gustavo Santaolalla, compositor do jogo, uma das almas para a ambientação e imersão neste universo.

Mas há algo que será impossível de ignorar: a falta de esporos no ar. Mesmo ignorando a vertente científica (como é que os fungos se reproduziriam sem esporos?), numa diligente suspensão de descrença, a ausência deste elemento visual, que foi uma escolha deliberada para evitar problemas nas filmagens, torna os ambientes estéreis. O melhor exemplo disto é ao vermos um cadáver apoderado pelo cordyceps. Sem os esporos à volta, parece apenas um manequim, perde o esoterismo, e os ambientes fechados do jogo, claustrofóbicos pela fraca visibilidade e quantidade de partículas no ar, tornam-se apenas em numa divisão árida, sem ameaça.

Vale a pena?

The Last of Us na HBO Max não vai "arruinar" o jogo, seja lá o que isso for. Resta saber se vai ser uma nova forma de olhar para o belíssimo quadro original, ou apenas uma tentativa tímida de o manter relevante. Até agora, há potencial para ambos.

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Mais sobre:


CAJR - Carlos Alberto Jr

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor de filmes valvulado. Jornalista do Norte que invadiu o Sudeste para fazer e escrever filmes.
  • Animes:Cowboy Bepop, Afro Samurai e Yu Yu Hakusho
  • Filmes: 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Stalker, Filhos da Esperança, Frank e Quase Famosos
  • Ouve: Os Mutantes, Rush, Sonic Youth, Kendrick Lamar, Arcade Fire e Gorillaz
  • Lê: Philip K. Dick, Octavia E. Butler, Ursula K. Le Guin e Tolkien
  • HQ: Superman como um todo, assim como as obras de Grant Morrison e da verdadeira mente criativa por quase tudo na Marvel: Jack Kirby